segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Gente de verdade 2: Clarice Peluso, atriz

E por quanto tempo ali estivera sem se dar conta – sem dar conta de si? Deus me livre de mim – rezava com fé de quem pede o impossível. Havia aprendido por constatação que seu maior medo era de ser humano. E havia também guardado com cuidado as chaves que a vida lhe dera em sua árida trajetória repleta de guerras e mortes íntimas. Mas, uma vez, havia experimentado o amor. Amor tem gosto de água que se bebe de filtro de barro e aos olhos tem cor de sol e brilha de cegar a gente e deixar sem ar quando faz parar o tempo e se confessa em silêncio e se declara no olhar. Blagh blagh blagh – já era crescida suficiente para saber que quem uma vez experimentou amor, experimentaria a segunda e seria tudo diferente - e assim por diante. O fato é que catava os cacos no fundo do seu coração penhasco, e pra quê ia pensar tanto tão pequenina, não ia afinal desvendar sua sina pensando tanto. Foi quando:

Nada!

Simplesmente nada aconteceu – nem um pensamento - nada!
Ficou tudo parado.
Assim: de uma hora pra outra – de repente.
E assim ficou por um bom tempo:
Toda em silêncio.
E tudo em volta. Só. Silêncio.

Até que: nada. Tentou mais uma vez: nada. Estava presa. Não conseguia abrir mão, abandonar aquele silêncio que havia se tornado sua casca – tornara-se sua carne, seu próprio corpo e sua pele branca como morte sem doença. No universo paralelo dentro do seu estômago havia uma revolução e rebeldes desafiavam a polícia com pedras e bombas de fabricação caseira. Então começou no interior da sua cabeça um concerto de heavy metal com espasmos de música clássica. Desmaiou! Não, não conseguiu – tentara com todas as forças desmaiar-se, mas permaneceu lúcida atormentada perplexa e sem coordenação.
E mais um mundo caiu. Mais uma cabeça rolou. E o vento ventou acordes de falta em harmonia destorcida, cicatrizada. E a falta do que fazer em todo o redor - a falta de qualquer coisa ou qualquer falta. Olhou-se no espelho e o que viu não lhe espantou: natureza morta. Antiqüíssima. Mais antiga que a dificuldade que sempre lhe acomometera por saber-se bípede num planeta redondo e ainda ter que respirar ao mesmo tempo...
Desabou: é que às vezes uma mudança de lua, me deixa toda mexida... noutras, quando mênstruo, fico toda misturada... E por minha vez aviso: estou vivendo! Eu sou vivendo! O tempo inteiro enquanto respiro, vivo! E erro. Erro existencialmente por não saber respirar direito. Respirar cansa - a mim me cansa. É isso. Por hora... É isso, agora. Depois muda... Como muda de planta... Entende?

Clarice Peluso/ amo - amiga

Ler este texto até o fim, sem conseguir desgrudar os olhos nem pra saciar a curiosidade de logo saber o autor, só podia ser Obra de Clarice.
Perceber seus traços nos textos e entender o que lhe coça a cabeça é mágico. É questionar a magia das coisas, e humildemente tentar descobri-las... pedindo desculpas pela tolice da tentativa.
É ser lindo e puro, e mesmo assim saber que ainda é pouco, que se é uma construção.
É pedir: - me abraça? com cara de: - desculpa?

Da Clarice agente sente falta. Quem dera mais Clarices no mundo.